O mal do frango
O inimigo pode não ser exatamente o que você espera
Gustavo Ribeiro
É hormônio? Não, mas 72% dos consumidores desse tipo de carne têm essa percepção, segundo pesquisa da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Se fôssemos falar sobre hormônios, poderíamos parar por aqui, porque desde 2004 o Ministério da Agricultura proíbe a utilização desses produtos na avicultura. Entretanto, isso não quer dizer que esse alimento esteja longe de qualquer perigo.
Além de tratar e prevenir doenças, essas substâncias são utilizadas por parte dos produtores para otimizar e acelerar o ganho de peso das aves, conforme aponta a Food and Drug Administration (FDA), agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.
Entretanto, mesmo sendo uma prática regularizada, de acordo com a revista The Lancet, esse uso na criação de animais é um dos responsáveis por aumentar a resistência aos antibióticos. Essa resistência pode ser entendida como a capacidade das bactérias resistirem aos efeitos desses medicamentos. Ou seja, o remédio que antes funcionava passa a ser ineficiente e esses microorganismos continuam vivos e crescendo.
De acordo com Bia Fonseca, médica veterinária e especialista em Imunologia e Parasitologia, isso acontece quando um tratamento é realizado na dose e tempo errados. Nesses casos, o medicamento mata as sensíveis, mas as mais fortes resistem, sobrevivem e se multiplicam. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta sobre os riscos do uso desses medicamentos na produção de carne para consumo, chegando a publicar uma série de recomendações a respeito.

Esse processo não é limitado a bactérias causadoras de apenas um tipo de doença, como descreve Fonseca: “Devido à capacidade das bactérias de passar fragmentos de material genético de uma para outra, o gene de resistência pode ser transferido com muita facilidade. E isso não acontece só entre bactérias de mesma espécie, mas também de espécie diferente”.
No caso do frango, isso ocorre da seguinte maneira: você compra um frango que, por acaso, contém bactérias resistentes a determinado medicamento. Pode ser que elas sejam eliminadas durante o cozimento do alimento, mas caso isso não ocorra e essa bactéria seja patogênica, você come e fica doente. Adivinhe qual o tratamento para combater essa bactéria: exatamente, o antibiótico ao qual ela é resistente. Nesse caso, não existiria tratamento. “Agora imagine que essa situação pode ocorrer com doenças graves, como meningites, infecção renal e pneumonias”, conta Fonseca.
Além da contaminação pelo consumo, essa bactéria pode passar para alguém que manuseie a carne, ou até mesmo através de outros alimentos que são consumidos crus, como alface e maçã, caso a superfície destes tenha contato com a do frango.
“Vou parar de comer frango”
Se você está pensando isso, saiba que nem toda a resistência aos antibióticos pode ser creditada ao consumo de aves pela população. Tomar antibióticos desnecessariamente, com duração ou dosagem errada, além de outras práticas descritas pela Fiocruz, são os principais responsáveis pelo surgimento de superbactérias.
Para lidar com o aumento da resistência antimicrobiana, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicou um plano de ação identificando causas e estabelecendo medidas que devem ser tomadas. Uma das causas levantadas foi justamente o uso inadequado desses medicamentos na produção de animais, que a entidade espera combater através da fiscalização.
“A descoberta desses fármacos foi uma evolução para saúde e bem estar dos seres humanos e dos animais e a única forma de não perder essa importante ferramenta para o controle das doenças é, sem dúvida, o uso consciente”, afirma Bia Fonseca. A médica veterinária aponta ainda que não é fácil criar animais em todos os ciclos de produção sem nunca utilizar esses remédios. Desse modo, a principal diferença na quantidade de antibióticos utilizada está no tipo de criação dos animais.
Fonseca conta que existem casos na avicultura industrial em que as empresas possuem profissionais sérios e preocupados com o coletivo e que só tratam doenças com o antibiótico certo para aquela bactéria específica, e isso apenas quando necessário. “Como promotor de crescimento, na avicultura industrial praticamente não há mais o uso”, diz.
Um perigo inesperado
O frango caipira tem a popularidade de ser o mais saudável, mas estudos recentes contradizem esse senso comum
“A avicultura caipira, ou fundo de quintal, sem selo de ‘animal orgânico’, já é mais complicada”. Bia Fonseca diz isso porque todas as rações do mercado possuem algum tipo de antibiótico promotor de crescimento. Além disso, uma ampla quantidade de medicamentos fabricados para aves é vendida sem nenhuma restrição em casas de ração.
“Os antibióticos são necessários para tratamento de bactérias e só servem para esse fim”, indica a médica veterinária. Dessa forma, antes de qualquer tratamento é necessário identificar se a causa da doença é uma bactéria, porque, como dito lá no início, o uso incorreto desses remédios pode contribuir para a criação das superbactérias. “Quando há tratamentos indevidos, o resultado pode ser muito ruim pra saúde das aves e para os seres humanos”, afirma Fonseca.